Descoberta pode criar marcadores potenciais para o risco de autismo que podem ajudar famílias a garantirem a intervenção precoce para crianças com traços do transtorno
As causas do autismo ainda são um mistério para a medicina. Descobri-las é importante tanto para desenvolver diagnósticos mais precisos, quanto tratamentos. Um novo trabalho, feito pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, indica que há uma ligação não no DNA em si, mas em “marcas” químicas no DNA – fenômeno chamado epigenoma – do esperma do pai e traços autistas em seus filhos de 3 anos. O estudo, publicado recentemente na revista científica Molecular Psychiatry, acrescenta evidências crescentes de que o chamado epigenoma influencia as origens do transtorno.
“Esta pesquisa também pode fornecer informações sobre as contribuições genéticas para o autismo que estão potencialmente sendo perdidas pela análise de sequenciamento de genes que analisa apenas o código direto do DNA”, diz a co-investigadora principal Heather Volk, professora associada de saúde mental na Escola Bloomberg de Saúde Pública da Johns Hopkins e diretora do Centro Wendy Klag para Autismo e Deficiência do Desenvolvimento.
Mudanças epigenéticas no DNA não alteram o código genético em si, mas perturbam como esse código é “lido” e usado pelo corpo. Elas podem ser influenciadas por genes, pelo ambiente ou pela idade. Para o novo estudo, os pesquisadores utilizaram dados de participantes do estudo nacional “Early Autism Risk Longitudinal Investigation”, que acompanha famílias nos EUA que têm filhos diagnosticados com autismo.
“A nova pesquisa pode nos mostrar mais sobre como mudanças epigenéticas nos pais influenciam a saúde das crianças”, disse o médico e co-investigador Andrew Feinberg, professor da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, da Escola de Engenharia Whiting e da Escola de Saúde Pública Bloomberg. Feinberg foi pioneiro em estudos na década de 1980 que identificaram mudanças epigenéticas que influenciam o desenvolvimento do câncer.
A equipe analisou amostras de sêmen coletadas de homens na época em que suas parceiras estavam grávidas. Isso é importante porque garante que eles identificaram os níveis de metilação que provavelmente influenciaram os traços autistas.
Eles também também coletaram informações de pais e filhos, como suas pontuações na escala de resposta social (SRS), uma avaliação comportamental padrão para ansiedade social usada por muitos médicos. Pontuações mais altas nessa avaliação indicam um diagnóstico mais provável de autismo.
Para o estudo, os pesquisadores se concentraram em um tipo de alteração epigenética chamada metilação do DNA, na qual certos grupos químicos se ligam a áreas do DNA que orientam os interruptores que ligam e desligam os genes. Quando a metilação dá errado, certos genes são ativados ou desativados de forma anormal, desencadeando problemas no comportamento celular.
Em todas as amostras de esperma paterno, a equipe encontrou 94 regiões de metilação diferencial do DNA que foram estatisticamente significativas em sua associação com as altas pontuações de uma criança na escala de resposta social, indicando uma probabilidade de traços autistas. Nenhum dos pais tinha diagnóstico de transtorno do espectro do autismo.
Entre as 94 regiões metiladas diferencialmente, 14 se sobrepõem a genes que controlam sinapses, ou conexões entre neurônios, o desenvolvimento de novos neurônios no cérebro e a maturação das células cerebrais. Outras 14 regiões de metilação diferencial foram encontradas em genes previamente ligados ao autismo.
Além disso, em quatro áreas de metilação diferencial do esperma que mostraram a correlação mais significativa com altas pontuações na escala de resposta social em crianças, os pesquisadores encontraram entre 5,5% e 8% de diferença nos níveis de metilação entre crianças com as pontuações mais altas e aquelas com as mais baixas. Cerca de 22 das regiões metiladas diferencialmente no esperma paterno que foram altamente associadas a altas pontuações de SRS em seus filhos também foram metiladas diferencialmente no tecido cerebral pós-morte de pessoas com autismo reunidas em outros estudos.
Como o estudo foi feito apenas em um pequeno grupo de participantes – 45 pais e 31 filhos –, são necessárias mais análises para verificar se esses resultados irão se manter na população em geral. Mas, se isso se confirmar, os sinais epigenéticos identificados no estudo podem ser marcadores potenciais para o risco de autismo e ajudar famílias a garantirem a intervenção precoce para crianças com traços autistas.
FONTE = O GLOBO